A torre sofisticada custou R$ 21 milhões, mas ainda não é possível fazer pouso por instrumentos
Acredite, contrariando uma lógica recorrente no Brasil, de obras públicas que só existem no projeto, no Aeroporto Estadual de Sorocaba Bertram Luiz Leupolz a obra está lá, concluída, pintada e sendo usada há um bom tempo. Entretanto, não está regulamentada, oficialmente não existe. São 150 metros de pistas que não existem no papel. Em alguns casos, esse trecho sequer poderia ser usado. Esse é mais um entrave no desenvolvimento da aviação aérea executiva da cidade. O prolongamento, que custou dinheiro público, nunca foi reconhecido pela principal autoridade de tráfego aéreo do Brasil, a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).
Mas esse não é o único problema do Aeroporto de Sorocaba. Na primeira reportagem da série sobre o local, publicada no último domingo (13), o destaque foi para os trâmites no processo de internacionalização do aeródromo. Desta vez, o assunto são os diversos problemas ocasionados pela demora em regulamentar parte da pista do aeroporto. Há ainda o fato de DAESP ter instalado no local um torre de controle para o tráfego aéreo que apesar de toda sua capacidade e sofisticação técnica, estar funcionando com sistema que poderia ser mais eficiente.
Com relação ao prolongamento de pista, a situação é um imbróglio que já dura mais de sete anos. Construídos em 2013, foram 150 metros a mais na pista principal. A obra foi distribuída nas duas cabeceiras da pista — uma próxima da avenida e Ipanema e a outra próxima da avenida Adão Pereira de Camargo. A não oficialização impede, por exemplo, que aeronaves maiores possam pousar e decolar do SDO, uma das siglas para o Aeroporto de Sorocaba. Além disso, o fato influencia diretamente na autonomia dos voos.
A situação ainda apresenta questões restritivas, em especial, pelas seguradoras. Como os trechos da pista não são reconhecidos, se um acidente ocorrer na área, em tese, a seguradora não teria obrigações sobre eventuais danos, uma vez que para as autoridades aéreas o local não está legalizado e não deveria ser usado. Para a ANAC, formalmente, existem apenas 1.480 metros de pista. Fisicamente, são mais de 1.600 metros. “Já está concluído e pintado. É pior do que parece. Está induzindo as pessoas ao erro”, comenta um dos associados.
Torre subutilizada
Pouco ou quase nada adianta gastar muito dinheiro para comprar uma Ferrari e recebê-la sem um item básico, o volante. É mais ou menos isso que ocorreu com o Aeroporto de Sorocaba. Foram investidos mais de R$ 21 milhões em equipamentos e infraestrutura para a implementação da torre de controle de tráfego aéreo do local. Ocorre que apesar de toda o investimento, o SDO praticamente continua como antes. A tão esperada operação por IFR não aconteceu. IFR é a sigla para Instrument Flight Rules — em inglês — e identifica que a operação é por instrumentos. Nesse casos, os pilotos são orientados por informações cruzadas entre os equipamentos das aeronaves e dos que estão em solo.
Ou seja, com isso, o aeroporto poderia realizar com segurança decolagens e pousos em praticamente todo tipo de adversidade climática, incluindo névoa, chuva, alta densidade de nuvens e os demais fatores que influenciam a chamada visibilidade e teto no tráfego aéreo. Porém, o local continua como era antes. Pousos e decolagens somente no visual, ou no sistema VFR, do inglês Visual Flight Rules, também chamado de voo visual. Trocando em miúdos, o IFR ajudaria a ampliar a capacidade de voos do aeroporto e aumentar sua segurança.
Membros da Associação dos Concessionários de Empresas Aeronáuticas, Intervenientes e Usuários do Aeroporto de Sorocaba (ASOS), reclamam da situação e argumentam que não sabem se o problema é o excesso de má vontade ou a falta de planejamento.
A atualização do levantamento planialtimétrico do aeroporto é necessária para que o sistema IFR inicie suas operações. Um desses estudos foi feito em 2008 e pago pela Dassault Falcon, uma das empresas instaladas no aeroporto. Conforme a ASOS, para se resolver a questão se gastaria pouco perto do valor já investido. Não passaria de R$ 100 mil. Levantamento planialtimétrico é a medição das projeções horizontais que definem uma área.
Em 4 de setembro, o DAESP afirmou que torre está homologada e autorizada a funcionar pelo Serviço Regional de Proteção ao Voo do Comando da Aeronáutica. Não citou a questão do IFR. Referente à pista, o órgão afirmou que o processo de cadastramento tramita na agência reguladora ANAC.
Ao DAESP, novos questionamentos foram feitos na quinta-feira (17). Entre eles, o porquê de o aeroporto não operar por instrumentos, mesmo com todos os investimentos. O órgão não respondeu até o fechamento desta edição.
Em 2018, quando questionada pelo Cruzeiro do Sul, a ANAC afirmou que, além da questão da extensão da pista, estavam em análise a ampliação de pátio com iluminação noturna, a implantação de área de giro e Implantação de Runway End Safety Area (RESA) — área de segurança de pista — por distâncias declaradas estão sob análise, após recebimento de informações do operador.
Ônus
Os associados ainda lembram que, em algumas situações, a nova torre trouxe mais ônus do que bônus. É que desde quando o equipamento passou a operar, houve redução no pátio de hangaragem. Há casos em que isso atrasa a manobra de aeronaves em até uma hora, dependendo da situação. Essa restrição de pátio fez com que uma das empresas do local perdesse dois clientes após os início das atividades da torre.
Há ainda outro problema. Trata-se do chamado RESA (Runway End Safety Area), que é a área de segurança de fim de pista. O assunto teve bastante destaque após o acidente ocorrido em São Paulo, no Aeroporto de Congonhas, em julho de 2007. Na ocasião, 197 pessoas morreram. Esse espaço também existe em Sorocaba, mas, a exemplo de outras situações já relatadas, ele não está regulamentado.
DAESP não comenta a situação
Informações conflitantes identificadas pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) impediram a regulamentação da pista do aeroporto da cidade. As informações estão em documentos obtidos pelo Cruzeiro do Sul no início da noite de sexta-feira (18). O material demonstra como foram as tratativas do DAESP no processo de regularização do prolongamento da pista do Aeroporto de Sorocaba.
De acordo com as informações, o pedido de atualização cadastral do aeroporto, aqui chamado de SDCO, foi protocolado na Agência em 6 de julho de 2016. Após desencontro de informações, houve pedido para o que DAESP explicasse o que queria, de fato. Em resposta, o DAESP informou que as alterações solicitadas tratavam-se da “ampliação da pista de pouso de 1480×30 m para 1630×30 m” e ainda, ampliação da pista de táxi e pátio de aeronaves. Novamente, houve informações desencontradas.
“(…) nota-se que, além das alterações listadas nos itens 3.1 e 3.3 deste parecer, outras alterações também ocorreram no SDCO — Aeroporto de Sorocaba — e que não foram explicitamente mencionadas pelo operador — DAESP — em suas comunicações à esta Agência, dentre as quais: ampliação da largura da pista de táxi designada como ‘A’, implantação das pistas de táxi designadas como ‘C’ e ‘G’, implantação de novo pátio de aeronaves (designado como ‘2’), implantação de ‘área de run up‘ e implantação de área de giro antes da cabeceira 18.” Essas informações constam em um despacho da ANAC de 14 de agosto deste ano.
Além do prolongamento da pista, a Agência apontou outras modificações no Aeroporto de Sorocaba que necessitam de regulamentação. Entre elas, a ampliação do comprimento da pista de táxi “E”, com implantação de acostamento pavimentado em toda a sua extensão, ampliação da largura da pista de táxi “A”, com implantação de acostamento pavimentado em toda a sua extensão, ampliação do pátio de aeronaves 1 e implantação do pátio de aeronaves 2, implantação de acostamento pavimentado nas pistas de táxi “D” e “F”, implantação das pistas de táxi “C” e “G” e ainda a implantação de diversas edificações na área operacional.
“Não há maiores informações no processo sobre a data de implantação dessas edificações, tampouco há evidências suficientes que permitam avaliar a existência dessas edificações e se tais edificações estão inseridas ou não na faixa de pista de pouso e decolagem e/ou na faixa da pista de táxi paralela mais próxima. Também não foram encontradas cópias das ART ou RRT de Execução e comprovante de pagamento junto ao respectivo conselho de classe, para as edificações mencionadas”, destaca a ANAC em outro trecho do documento.
Em dezembro de 2018, uma inspeção no aeroporto anotou três não-conformidades. Segundo o relatório, as luzes de barra lateral de cabeceira, de borda de pista de pouso e decolagem e de fim de pista localizadas nos trechos anteriores às cabeceiras deslocadas não atendiam à normas vigentes. Também não havia sinalização vertical de instrução obrigatória implantada e a iluminação dos pátios de aeronaves 1 e 2 não estava operando. O DAESP foi informado sobre a questão ainda em 14 de agosto sobre o parecer.
Em nota, a ANAC afirmou na sexta-feira que, em agosto, conforme a documentação obtida pelo Cruzeiro, a agência solicitou comprovação de correções de não-conformidades ao operador aeroportuário com prazo de 120 dias para retorno. Ainda conforme a agência, a solicitação do aeroporto contempla várias modificações em sua infraestrutura, incluindo a extensão de regularização da pista e seus derivados. “Neste processo não consta a implantação da Runway End Safety Area (RESA)”, destaca.
A falta de sinalização vertical adequada na pista principal do Aeroporto de Sorocaba pode fazer com que as empresas que atuam no local percam até 50% de suas operações e fluxo financeiro. Caso esse problema não seja sanado, o SDO poderá perder a autorização para operação visual noturna. A informação é da ASOS.
De acordo com membros da instituição, ouvidos pela reportagem ao longo da semana, grande parte do movimento do local ocorre à noite. Inclusive, segundo eles, as grandes operadores optam por voar à noite. Há objetos compostos por luzes e espelhos que dão segurança adicional na aproximação das aeronaves, dando mais estabilidade nos pousos.
Para pousos, os aeroportos mais movimentados contam com o auxílio visual na chamada rampa de descida. Ele serve para orientar os pilotos. O equipamento tem o nome de PAPI (Precision Approach Path Indicator) ou indicador de percurso de aproximação de precisão. Ele orienta os pilotos a voar na medida, nem muito alto e nem muito baixo. Em Sorocaba, o PAPI foi comprado recentemente e instalado em apenas uma das cabeceiras da pista. Membros da ASOS lembram que o equipamento instalado em Sorocaba é mais moderno de que o do Aeroporto de Guarulhos, mas também não estaria regulamentado.
Empresas já cogitam migração
E a presença no aeroporto Catarina, mesmo sem a internacionalização, que ainda está em análise, deixou de ser uma ameaça à hegemonia regional de Sorocaba envolvendo o transporte aéreo executivo. É fato se consumando. Prova disso é que já há a movimentação de empresas do Aeroporto de Sorocaba cogitando deixar o local e migrar para São Roque. Uma delas, do ramo de manutenção, já está em novo endereço.
A cidade de São Carlos, que também iniciou o processo de internacionalização praticamente junto com Sorocaba, já teve a internacionalização concluída. O primeiro voo, em um Airbus A319, com passageiros da Latam, pousou no aeroporto Mario Pereira Lopes em 21 de março de 2019. Sorocaba já perdeu para São Carlos, e agora, por um série de motivos, corre o risco de perder para a vizinha São Roque. (Marcel Scinocca).
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